ALUISIO JIMENEZ TEIXEIRA. Bacharel em Direito pela UFOPA/2011. Pos-graduando em Direito Processual Penal(LFG- 2017). Estagiário Cunha e Cunha Advogados Associados.
A Lesão Corporal é, em suma, o resultado de atentado bem sucedido à integridade corporal ou a saúde do ser humano - excluindo o próprio autor do delito. Na sua forma básica é uma modalidade de ofensa física a outro indivíduo. É facilmente identificado no seu aspecto de causar dano às funções biológicas, anatômicas, fisiológicas ou psíquicas de terceiro (da vítima).
Está previsto no art. 129 do Código Penal brasileiro:
“Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.”
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incuravel;
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6° Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Aumento de pena
§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código.
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.
Violência Doméstica
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
Em seu texto legal é evidente que não foi estabelecido pelo legislador uma conduta específica para a configuração do crime, levando apenas em conta o seu nexo de causalidade entre a ação do autor – da qual não está explícita ou definida na lei – e a ofensa à integridade física/psíquica da vítima.
O crime de lesão corporal tem um verbo nuclear (o verbo “ofender”) que denota a necessidade de uma conduta positiva, uma direta “ofensa” contra outra pessoa. Porém, tal crime admite uma forma de aplicação indireta, da qual o agente pode responder no caso de omissão, nas hipóteses onde a lei impõe o dever jurídico de agir em casos de garantir a integridade física de outras pessoas, situação da qual caracteriza um crime comissivo por omissão, o chamado omissivo impróprio, que se encontra no artigo 12, §2º, do Código Penal.
Nas doutrinas majoritárias é entendido que causar mera dor na vítima, sem carretar em grandes consequências para a integridade física da mesma, é válido a reiteração de que não se configura o crime de lesão corporal, pois é considerado que a dor não passa de um fenômeno de índole subjetiva – um exemplo esdrúxulo: mero beliscão não é algo digno de ser considerado uma lesão corporal.
Intervenções cirúrgicas não se classificam como lesão corporal pois os supostos autores estão agindo em função do exercício regular de suas funções, pois tratamentos médicos (pelo menos nos casos de boa fé profissional) sempre são em prol da melhoria das condições físicas de quem os recebe, excluindo totalmente qualquer tipo de ilicitude das atuações medicinais. Logo, embora uma cirurgia cause visíveis defeitos físicos – em muitos casos estéticos ou até mesmo a amputação de um membro – ela raramente se enquadrará em uma lesão corporal. Entretanto, caso tal procedimento seja efetuado sob má-fé profissional, o crime se configura em sua forma tradicional.
Neste ponto de vista, fica evidente a classificação de que o crime de lesão corporal leva em conta o enquadramento da conduta do autor em relação a gravidade do resultado perante a vítima.
É possível dizer, assim, que quando não demonstrada qualquer consequência, dentre aquelas previstas nos parágrafos 1.º a 3.º e 9.º do artigo 129, restará caracterizado o delito em sua forma simples, prevista no caput do dispositivo, o que se apura através de um raciocínio lógico de exclusão.
Assim, exemplificadamente, quando a lesão corporal resultar morte, incidirá a hipótese do § 3.º; quando resultar incapacidade permanente da vítima para o trabalho, enquadrar-se-á na prevista no § 2.º (inciso I); quando resultar em incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias, capitula-se a conduta tão somente pelo previsto no § 1.º (inciso I); e se nenhuma das hipóteses anteriores for a incidente no caso, restará caracterizada apenas a lesão corporal leve, contida no caput do artigo 129 do Código Penal.
Como todo crime comum e material, a lesão corporal não exige nenhum tipo específico de sujeito ativo, sendo qualquer indivíduo “apto” a ofender a integridade física/psíquica de outrem. Vale ressaltar que tal crime apenas pode ser realizado contra outra pessoa – lesionar a si mesmo, como a autoflagelação, não denota crime. Porém, caso tal conduta de causar lesão ao próprio corpo seja com a intenção de obter o pagamento de alguma indenização ou valor de seguro – como por exemplo amputar o próprio membro para receber auxílio previdenciário – o agente irá responder pela conduta criminosa de estelionato, previsto no artigo 171, §2º, inciso V, do Código Penal. Além disso, é impossível causar lesão corporal em cadáver, porém, tal conduta ainda se poderá se enquadrar no artigo 211 (destruição de cadáver) ou 212 (vilipendiar cadáver) do Código Penal, pela violação do respeito aos mortos.
O sujeito passivo da lesão corporal também pode ser qualquer pessoa física, exceto claro, como citado acima, o próprio autor ou cadáver.
O elemento subjetivo do delito de lesão corporal leva em conta o dolo específico (animus nocendi) do autor na vontade de agredir a vítima, atuando com total consciência. Entretanto, ainda existe a possibilidade de dolo eventual ou culposo, principalmente no contexto de crimes no trânsito, como o elencado no artigo 303 do Código e Trânsito Brasileiro: Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Porém, o artigo 291 do CTB cita que tal crime é bastante variável, podendo ser ou não de menor potencial ofensivo. Art. 291, § 1º: Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos artigos74, 76 e 88 do CTB, exceto se o agente estiver:
I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência;
II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente;
III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinquenta quilômetros por hora).
Se o condutor praticar lesão nas condições acima destacadas, a infração deixa de ser de menor potencial ofensivo e passa a ser crime de ação penal pública.
Ademais, lesão corporal grave, gravíssima ou que resulte em morte (§1º ao §3º do artigo 129 do CP) pode ser considerada preterdolosa, ou seja, exigem que o resultado mais danoso (lesão grave, gravíssima ou morte) seja ao menos previsível/evitável pelo autor – embora não pretendido. Caso seja impossível o autor prever o resultado de sua conduta, não será responsabilizado – ser responsável iria ser contra o artigo 19 do CP que elenca a agravação pelo resultado.
A lesão corporal apenas se consuma no ato da efetiva ofensa à integridade da saúde física/psíquica da vítima (comprovação por autos de exame de lesão corporal pode ser necessário), logo, como supracitado, causar mera dor não consta como consumação. Na forma tentada de lesão corporal – quando não tem dano na integridade da vítima - se leva em conta a conduta do autor e seu elemento subjetivo. No caso da vítima não sofrer a ofensa e faltar elementos que comprovam as intenções do autor e dolo, a conduta se caracteriza apenas nas vias de fato de forma residual, conforme o artigo 21 da Lei das Contravenções Penais.
Em seus parágrafos 1º ao 3º, o artigo 129 elenca os graus de consequência da lesão corporal. O §1º aborda as Lesões Corporais Graves, que trazem maior dano para a vítima em relação a uma lesão corporal comum:
Inciso I – A lesão causa incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias (abaixo de trinta dias é considerada lesão leve), mas não afeta a vida profissional da vítima. A vítima fica apenas incapacitada de efetuar atividades rotineiras simples como lazer ou ocupações domésticas.
Inciso II – É a lesão com evidente perigo de vida, devendo ser concreto e ser comprovado de forma técnica (auto de lesão corporal).
Inciso III – Caso de debilidade relacionada à redução de capacidade atribuída aos membros (apêndices do corpo como braços e pernas), sentidos (audição, tato, olfato, paladar ou visão) ou funções (atividades fisiológicas do organismo como a respiração) da vítima. Vale ressaltar que a perda de algum órgão que não seja único (como os rins) apenas se enquadra como lesão grave igual ao Inciso III, diferente da lesão gravíssima que ocorre em caso de perda na função de órgão que seja único (como fígado).
Inciso IV – Engloba a lesão que cause aceleração de parto com o nascimento do feto em vida. Caso a lesão resulte em natimorto, será o caso de aborto configurado como lesão gravíssima.
O §2º aborda as Lesões Corporais Gravíssimas, que trazem um dano maior ainda em relação as Graves:
Inciso I – A lesão causou incapacidade permanente para o trabalho da vítima, a impedindo de efetuar qualquer tipo de atividade remunerada, não se limitando apenas a atividades rotineiras como o Inciso I do parágrafo anterior.
Inciso II – A lesão acarreta em uma enfermidade incurável por não apresentar nenhum tipo de tratamento médico capaz de recuperar a saúde da vítima. Se existe tratamento, este deve ser consagrado e considerado definitivo pela medicina – tratamentos que ainda estão apenas em estágio experimental não são válidos. Entretanto, passar doenças venéreas incuráveis pelo ato sexual não entra neste contexto, sendo punível através do artigo 130 do CP. Caso a doença transmitida não se enquadre no rol dos artigos 130 e 131 do CP, poderá se enquadrar na lesão corporal gravíssima.
Inciso III – É similar ao Inciso III do parágrafo anterior, mas leva em conta debilidade ou inutilização permanente do membro, sentido ou função da vítima. Como exemplo, a perda de visão parcial acarreta em lesão corporal grave, já a cegueira permanente é considerada lesão corporal gravíssima.
Inciso IV – É a lesão que causa deformidade permanente no aspecto físico da vítima, afetando sua vida social e/ou profissional. É necessária a comprovação técnica comparando o “antes e depois” da vítima. Um exemplo comum são os trotes universitários que envolvem derramar líquidos inflamáveis ou corrosivos nas vítimas, dos quais podem destruir o corpo.
Inciso V – Este tipo de lesão causa o aborto quando o autor tinha conhecimento do estado de gravidez da vítima, levando em conta de que assumiu o risco independente se não tinha a intenção. Caso tenha dolo na lesão que acarretou no aborto, podem ser aplicados os artigos 125 (aborto sem consentimento da gestante), 126 (aborto com consentimento) ou 127 (aborto qualificado) do CP.
O §3º aborda a Lesão Corporal Seguida de Morte, sendo considerado pela doutrina majoritária como crime preterdoloso. Embora a morte da vítima não seja pretendida, existe a responsabilidade da mesma, desde que previsível considerando as circunstâncias do momento. O nexo de causalidade é essencial.
No §4º está elencada a Lesão Corporal Privilegiada. Seus requisitos são os mesmos dos previstos no §1º do artigo 121 (homicídio privilegiado), como o crime ser motivado por relevante valor social (de acordo com a coletividade) ou moral (levando em conta princípios de ética), violenta emoção ou injusta provocação da vítima (quando ambos reduzem o juízo crítico do autor).
O §5º informa sobre a substituição da pena nos casos de lesão leve, onde estão arrolados os casos de lesão privilegiada conforme acima citado e quando as lesões as lesões são recíprocas.
O §6º aborda as lesões corporais culposas, das quais são acarretadas por imprudência, imperícia ou negligência. Independentemente da gravidade das lesões, por não terem sido pretendidas pelo autor do fato (já que ausente o dolo), a pena aplicável é apenas a privativa de liberdade de dois meses a dois anos. O tipo de lesão corporal culposa mais comum (e em alguns casos, apenas a única aceita) é a derivada de acidente de trânsito.
Quando se fala do §7º, vemos a lesão culposa qualificada ou decorrente de atuação de grupo de milícia de segurança ou grupo de extermínio. Como previsto ao delito de homicídio culposo qualificado, quando ela decorre de inobservância de norma técnica de profissão, arte ou ofício, se omite socorro à vítima ou foge para evitar a prisão em flagrante, em situações equivalentes às previstas no § 4.º do artigo 121 do Código Penal.Além disso, a lesão corporal decorrente da atuação de milícia que presta serviço de segurança e a oriunda a atuação de grupo de extermínio também se tornaram qualificadas, conforme o §6º do artigo 121 do CP.
Existe também o perdão judicial na lesão culposa. De acordo com o §8º, existem casos onde o próprio autor recebe sofrimento pessoal do qual implica uma auto punição causada pelo fato de lesionar a vítima. É o caso de ascendente que acidentalmente causa danos ao descendente sem intenção. São os mesmos casos do §5º do artigo 121 do CP.
A Lesão Corporal Qualificada contra ascendente, irmão, descendente, cônjuge ou companheiro, ou contra pessoa de convívio familiar está elencada no §9º. Tal hipótese engloba a Lei nº 11.340/06 – a chamada Maria da Penha – onde considera as condições pessoais da vítima, principalmente a proximidade do vínculo familiar entre ela e o autor do fato, bem como nos casos em que se prevalece o delinquente das relações domésticas, de habitação ou de hospitalidade mantidas com a vítima.
A pena pode aumentar conforme o §10º, quando as lesões elencadas no §1º ao §3º que sejam qualificadas coexistem com o §9º. Não existirá crime qualificado por parte do §9º, mas este aumentará a pena em 1/3 no cálculo da dosimetria.
Enfim, o §11º leva em conta uma causa de aumento de pena nas hipóteses de lesão corporal qualificada do §9º é contra pessoa portadora de deficiência.
Portanto, a base legal que fundamenta o conceito é clara e tácita em suas necessidades. O crime de lesão corporal por trata-se de modalidade de menor potencial ofensivo por vezes é abraçada por uma de maior gravidade. Entretanto, quando evidenciado isoladamente, requer características próprias, como os §§1º a 3º do artigo 129 do CP.
A relação do nexo causal é fundamental, pois a lesão corporal e a forma como foi praticada, é um limiar tênue, que assim como se prende a detalhes pode constituir ou desconstituir o delito conforme a atenção dos envolvidos na lide. Algo que justifica o grau de importância das provas e do laudo pericial. Uma vez que a autolesão não é punida pelo ordenamento pátrio, mas quando observada pode ensejar tipo de crime diverso daquele que principiou a contenda.
Fonte: Cunha e Cunha Advogados
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